UM NOVO MUNDO EM KUBICEK

06/04/2025 em Crônica

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UM NOVO MUNDO EM KUBICEK

Ah, a República de Kubicek. Um paraíso tropical de bentulaté, onde a democracia atingiu sua forma mais pura — mas não como diria o Vasconcelos. Em Kubicek, a democracia é tão pura que o povo sabe que sua participação se limita a ouvir promessas que se autodestruição segundos após o término do discurso. Kubicek não é para qualquer um. É preciso talento — talento para fazer das disputas um espetáculo de prestidigitação: leis engavetadas dão vida longa aos decretos; o sumiço da Constituição faz ressurgir a vontade do Soberano, como diria Hobbes. Entretanto, diferentemente do soberano hobbesiano, em Kubicek o soberano não assinou cláusula alguma de contrato fictício com os habitantes da república. Ele é um verdadeiro instrutor no show de mágica.

Em Kubicek, há eleições, é claro — os habitantes ainda podem ir às urnas (essa liberdade está garantida), só não pode esperar que seu voto valha muito mais do que um carimbo em papel molhado. É o desejo de verem os dedos pintados, símbolo de cumprimento do dever cidadão. Porque o espetáculo do sufrágio, serve para renovar a fé no sistema, como quem acende uma vela no escuro sabendo que a luz não virá. E mesmo quando a contagem dos votos demora, quando há dúvidas ou confusões, o povo compreende: eles têm noção de que em Kubicek, a democracia é uma questão de interpretação. Por lá, a democracia tem um formato peculiar: ele é a própria face do autoritarismo cuja desigual competição está garantida entre os “iguais”.

Na república de Kubicek vive um ser, especialista e instrutor em como ser charmoso, cheiroso, famoso e traidor. É um homem de fala doce quando lhe convém. Aliás, falando em conveniência, desde as noites em claro, em que os sonhos estavam apenas começando, os kubicecanos começaram a viver esse paraíso. O paraíso do novo. Porque lá, tudo está em reforma. Reformas e novas roupagens de um jeito que nem os próprios setores se reconhecem mais. A Justiça agora anda de mãos dadas com a disciplina do quartel. O Parlamento virou uma sala de espera do executivo, onde se assina o que chega, sem perguntas, sem debate. E a oposição? Ah, essa foi mandada para férias prolongadas, sem direito ao aviso prévio. Até porque as férias também são pagas. Nada a reclamar.

As instituições em Kubicek são sólidas, dizem os anúncios oficializados. Sólidas igual as baletas de Bissak. Solidas porque todas se conformam aos anseios do freguês, desde que o freguês use uniforme. Tudo em nome de estabilidade. A estabilidade, aliás, é o novo nome da liberdade.

Por falar em liberdade, o povo de Kubicek é livre, sim. Livre para se calar, para morrer ou adoecer. A única restrição garantida democraticamente, é de sair cedo de casa em busca de pão que não há, e, as restrições de pedir o que os vizinhos exemplificam ter: saúde e educação. Isso sim, em nome da lei, os kubicecanos não podem exigir. O lema é: “ordem acima de tudo, opinião abaixo de nada”. É uma liberdade sofisticada e moldado aos gostos do instrutor.

De facto, Kubicek vai bem, isso não podemos negar. Na imprensa, tudo normal e nada além. Os jornais têm a liberdade de escolher entre o silêncio ou a falência. Isso não é liberdade? Só nega quem é da oposição! Os jornalistas podem investigar qualquer coisa, desde que não envolva o instrutor do charme e sua cúpula.

Falando em cúpula, esses são um espetáculo à parte. Kubicek tem um casting invejável: todos os ex-combatentes da moralidade, agora são empresários do próprio bolso: paz e amor ao bolso. Há quem já tenha passado por quatro clubes em três anos e agora alcançou sua independência — sabe-se lá se é a independência da ética. No entanto, está tudo em dia, diante da rica fauna: há os que roubaram antes de aceder a liga, os que roubam durante, e os que se preparam para roubar depois do rebaixamento. Todos unidos por um ideal comum: o bem-estar cidadão, porém do próprio clã.

Kubicek é um país de inovação: tudo se apaga num piscar de olhos, como na Guiné-Bissau — abro parênteses aqui para pedir desculpa aos “guineenses de paixão do amor à pátria” por exemplificar o país neste texto, é que, procurei por vários outros, mas não encontrei semelhanças. Mas, o facto é que, Kubicek realmente tem sido um palco de bondade e confiança. Quando tudo se apaga, o livro só se abre quando o protagonista decidir que o enredo já está suficientemente ao seu gosto. Afinal, os kubicecanos são unidos, a suficiência dos costumes faz com que não precisem de Leis. Já contava Durkheim em seus textos famosos: “Quando os costumes são suficientes, as leis são desnecessárias; quando os costumes são insuficientes, é impossível fazer respeitar as leis”. Em Kubicek, não restam dúvidas da suficiência dos costumes.

E assim segue-se por lá, acompanhando o original novo mundo. Um mundo que se recusa a imitar exemplos vizinhos, que não precisa de leis, que reverte o conceito de liberdade, representação e justiça. Um mundo em que todos são livres para obedecer às bençãos do instrutor e, obviamente são agradecidos por isso

Umaro Seidi

Por CNEWS

06/04/2025