A ERA DO GADO SEM CABEÇA

12/04/2025 em Crônica

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A ERA DO GADO SEM CABEÇA

É certo: estamos na era do desapego à razão. Uma era onde, muitas vezes, o pensamento crítico é visto como ameaça, e o silêncio parece ser a moeda mais segura. Em tempos como os nossos, o jornalismo guineense atravessa uma travessia sombria, onde a verdade dói mais que a mentira - e dizer a verdade se tornou um ato de coragem.

Hoje, profissionais da comunicação social enfrentam pressões que vão além do ético e do aceitável. São ameaças, intimidações e tentativas de silenciamento - e o mais grave: algumas dessas pressões vêm justamente de onde deveria vir proteção. Daqueles que juraram defender a liberdade, mas temem quem a exerce com responsabilidade.

Nos tempos de ditadura, sabíamos exatamente quem era o inimigo. A opressão era clara, a censura tinha rosto e nome. Mas nas democracias de fachada, o autoritarismo vem disfarçado. Veste-se de legalidade, de cargos bem-passados, de instituições apáticas. Os ataques agora chegam em forma de campanhas de difamação e discursos de ódio travestidos de opinião pública.

Veja-se, por exemplo, os recentes ataques à Rádio Capital FM - por quê?

Por simplesmente exercer o seu papel de informar. Por ecoar a voz do presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos. Em resposta, surgiram insinuações, provocações e ameaças veladas. Não são episódios isolados. São peças de uma engrenagem pensada para desmoralizar, desestabilizar e calar.

É preciso dizer com clareza: uma democracia que persegue jornalistas, esvazia-se. Uma sociedade que silencia comunicadores, adoece. O medo que tentam semear é sinal de que a palavra ainda incomoda - e isso, ironicamente, é o que nos dá esperança. Porque onde a palavra incomoda, há resistência. Onde há resistência, há luta. Onde há luta, há vida.

Não escrevo esta crônica como claqueiro. Escrevo como aliado. Como colega. Como cidadão. Como alguém que acredita que a liberdade de imprensa é a espinha dorsal de qualquer democracia que se quer real. Ofereço aqui a minha solidariedade a todos os que não se calam. Aos que continuam a lutar com o microfone, com a caneta, com o corpo e com a coragem.

Nosso crioulo é sábio: "Si bu odja katchu sinta na kabesa di bu kolega, n’fala lanta pabia amanhã i pudi bin sinta riba di bu kabesa." Se hoje é o teu colega, amanhã pode ser contigo. É por isso que ninguém pode se dar ao luxo de se calar

A “era do gado sem cabeça” pode até tentar se impor com barulho, arrogância e brutalidade. Mas há - e sempre haverá - quem se recuse a andar sem pensar. Quem se recuse a seguir sem questionar. Quem se recuse a viver sem dizer.

E esses — somos nós

Armando Mussa Sani

Por CNEWS

12/04/2025