QUANDO O ESTADO VIRA AS COSTAS A QUEM AJUDA

15/05/2025 em Opinião

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QUANDO O ESTADO VIRA AS COSTAS A QUEM AJUDA

Era uma vez um país onde a escola mais próxima foi erguida por uma ONG, onde o único centro de saúde sobrevive graças ao empenho de uma missão religiosa, onde rádios comunitárias transmitem cidadania, cultura e informação às populações esquecidas pelo poder central. Esse país é a Guiné-Bissau. E, paradoxalmente, é esse mesmo país que agora tenta silenciar quem lhe estende a mão.

Desde 2022, o governo suspendeu as isenções fiscais e aduaneiras anteriormente concedidas a organizações não governamentais e entidades religiosas. A justificativa? Aumentar a arrecadação e equilibrar as contas públicas. Mas a que preço?

A decisão, além de profundamente injusta, carece de base legal sólida. Foi tomada por meio de um simples despacho ministerial, ignorando a legislação vigente. O resultado é visível: projetos sociais travados, equipamentos retidos, frustração generalizada.

Enquanto os discursos oficiais falam de desenvolvimento e progresso, a realidade é outra: viaturas doadas para ações humanitárias apodrecem nas alfândegas; equipamentos financiados com esforço por parceiros internacionais estão parados por falta de condições para o desalfandegamento, cujo custo mais do que duplicou. Veja-se o caso da Rádio Bemba, em Malafo, região de Oio: os materiais comprados para montar o estúdio continuam retidos, com taxas superiores a 7.500 euros. Como se promove cidadania nessas condições?

Na prática, o que o governo fez foi virar as costas a quem está no terreno. As ONG’s não visam lucro. Elas não vendem, servem. Não acumulam, capacitam. Ainda assim, foram equiparadas a empresas comerciais, obrigadas a pagar como se explorassem o mercado.

Estamos à beira de um cenário em que a Guiné-Bissau se tornará hostil à cooperação internacional. Que parceiro vai se dispor a investir num país onde o apoio humanitário é taxado como se fosse luxo? Como se pode falar de justiça social, saúde, educação ou segurança alimentar, quando se sufoca quem atua precisamente nessas áreas?

É urgente que o governo recue. Que convoque as organizações da sociedade civil, reúna os ministérios envolvidos e, com humildade e visão, reconheça o erro. A reconstrução de um país não se faz sozinho. Num Estado que falha tanto, não se pode dispensar quem faz o que o Estado não consegue.

Mais do que aumentar receitas, o governo deveria preocupar-se em proteger os poucos pilares que ainda sustentam a esperança do povo. Porque, no fim das contas, a verdadeira riqueza de uma nação não está nos seus cofres — mas na dignidade dos seus cidadãos. E essa dignidade, senhoras e senhores, vem sendo sustentada por ONG’s e igrejas. Sem aplausos. Sem isenções. E agora, com as mãos atadas.

Por CNEWS

15/05/2025